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SAÚDE

Com aumento das ações judiciais, MS avalia ofertar canabidiol no SUS

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Foto: Reprodução

Com o aumento de ações judiciais obrigando a União, estados e municípios a fornecer produtos derivados de canabidiol (CBD), o Ministério da Saúde avalia a incorporação de um deles na rede pública de saúde. Seria o primeiro produto do tipo a entrar na lista do SUS.

Desde 2015, quando a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou pela primeira vez a importação de produtos com princípio ativo da Cannabis para uso medicinal, os pedidos seguem numa escalada, muitos feitos por meio de ações judiciais.

Em 2020 foram cerca de 16 mil pedidos, quase o dobro do ano anterior (8.500). Em 2018, tinham sido 3.500. Não há um número consolidado de ações judiciais contra os três entes da federação, mas só o volume observado no estado de São Paulo dá uma ideia do aumento.

Em cinco anos, o número pulou de 1 para 198 ações, em 2020. Neste ano, até abril, foram mais 58. Em 2020, o governo paulista gastou R$ 63 milhões para o cumprimento dessas demandas judiciais. Neste ano, foram mais R$ 20,6 milhões.

Segundo Paula Sue de Siqueira, coordenadora de demandas estratégicas de saúde da Secretaria de Estado da Saúde, as ações judiciais envolvendo produtos à base de Cannabis privilegiam direitos individuais em detrimento das políticas públicas estabelecidas no SUS, além de não terem avaliação de segurança e eficácia da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A pedido do Ministério da Saúde, a Conitec (comissão nacional de incorporação de tecnologias no SUS) está analisando a inclusão do canabidiol 200 mg/ml (da farmacêutica Prati-Donaduzzi) na lista do SUS. Por ora, a única indicação prevista seria para tratamento de epilepsias infantojuvenis refratárias às terapias convencionais.

O processo passou por consulta pública, encerrada no fim de março, e aguarda parecer final da comissão.

Em relatório que serviu de base para a consulta, os conselheiros da Conitec não recomendaram a incorporação do produto. Consideram que as evidências disponíveis apresentaram benefício clínico questionável, além de um impacto orçamentário elevado.

O produto está registrado na Anvisa como fitofármaco derivado de cânabis, que pode ser receitado a critério do médico mas que não demonstrou evidências suficientes para aprovação como medicamento.

A Conitec estima que a incorporação do canabidiol no SUS, para atender mil pacientes, custaria R$ 80 milhões ao ano aos cofres públicos. Nas farmácias, o valor de cada caixa (solução oral 80 ml) sai por cerca de R$ 2.300. Pelos cálculos da farmacêutica, haveria 700 mil pessoas elegíveis para o tratamento no Brasil.

Ao mesmo, um outro movimento começa a ganhar corpo no país, das parcerias de instituições públicas com a iniciativa privada para a transferência de tecnologia na produção e comercialização dos produtos à base de Cannabis.

O primeiro acordo foi firmado em outubro passado entre a Fundação Oswaldo Cruz e a Prati-Donaduzzi. A farmacêutica tem outra parceria público-privada com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, para um medicamento à base de canabidiol que está em estágio final de estudo clínico.

O convênio com a Fiocruz é de cinco anos e está sob sigilo industrial. Em fevereiro, a empresa conseguiu uma patente do óleo de CBD, desenvolvida em parceria com a USP, mas o Inpe (Instituto de Propriedade Industrial) recomendou a nulidade do documento.

O parecer foi emitido após três petições contestarem a inventividade do fármaco. Procurada, a Prati-Donaduzzi informou que o porta-voz não conseguiria atender a reportagem.

Por meio de nota, a Fiocruz disse que o objetivo do acordo é permitir a disponibilidade de um medicamento que possa atender, de forma segura e adequada à legislação vigente, ao interesse público envolvido nas demandas do SUS.

Informou ainda que os termos do contrato assinado se restringem à transferência de tecnologia e que todas as informações sobre o fornecimento, incluindo cronograma de entregas, serão negociadas em tratativas futuras.

Já como parte desse acordo, em 23 de março, a Fiocruz entrou com um pedido de autorização na Anvisa para produzir canabidiol no Brasil, com a intenção de fornecê-lo ao SUS..

A iniciativa tem motivado outras. O Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná), laboratório público oficial do governo do Paraná, busca parcerias com o mesmo intuito, ou seja, transferência de tecnologia para a produção e comercialização de medicamentos e produtos à base de Cannabis.

Em resultado de edital publicado no mês passado no Diário Oficial, foram qualificadas três empresas. Em nota, o instituto diz que avalia o modelo de negócios proposto por cada empresa para desenvolver a parceria.

Uma das empresas qualificadas pelo Tecpar é a canadense Verdemed. Segundo José Bacellar, fundador e presidente da empresa, a proposta é transferir para o instituto três produtos que ainda aguardam registro na Anvisa.

Durante o período de transferência de tecnologia, segundo ele, o laboratório estatal compra o produto acabado da empresa e vende para os governos. Em seguida, a empresa repassa a matéria-prima para que o próprio laboratório público fabrique o produto e, por fim, ele assume todo o processo de produção.

Para as empresas, a vantagem é o acesso privilegiado às compras públicas, sem necessidade de licitação, nos anos iniciais. Para o setor público, produtos mais em conta. A estimativa é que hoje eles sairiam pelo menos 30% mais baratos.

Relatório de mercado sobre compras governamentais de canabidiol, encomendado pela VerdeMed, mostra que as aquisições públicas somaram cerca de R$ 20 milhões entre 2018 e 2019.

Os estados foram os maiores compradores (R$ 16,3 milhões), seguidos dos municípios (R$ 2,6 milhões) e da União (R$ 868 mil).

Desse total, a maioria das aquisições foi feita por meio de compras diretas, sem licitação, para atendimento de ordens judiciais que precisam ser cumpridas em prazo curto. De 380 processos de compras, em apenas 6 houve licitação (3 em Goiás e 3 no Distrito Federal).

Para Reinaldo Guimarães, professor do núcleo de bioética da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), esses acordos vêm atender a uma demanda real por esses produtos, especialmente nos casos de epilepsia refratária.

Mas ele não acredita que essas parcerias possam frear a judicialização por canabidiol. “Elas vão continuar acontecendo para outras indicações terapêuticas.”

Já o procurador do Estado de São Paulo José Luiz Souza de Moraes, professor de direito internacional da Unip (Universidade Paulista), acredita que, a partir parâmetros e protocolos claros sobre o uso do canabidiol, elaborado por instituições públicas de renome, e com o produto disponível no SUS, haverá diminuição da crescente judicialização.

“Hoje há uma panaceia no uso [do canabidiol], muitas liminares concedidas sem nenhum critério. Com a incorporação, ficará mais restrito o acesso pela via judicial. O próprio juiz, tendo os fundamentos da utilização mais claros, terá cautela [em conceder liminares] para outros usos ‘off label’ ou experimentais. Hoje ele não tem parâmetro. Se nada pode, tudo pode.”

Na sua opinião, embora ainda sejam frágeis as evidências científicas para muitas das indicações do uso do canabidiol, é fundamental que os laboratórios públicos façam pesquisas e produzam o produto.

“A transferência de tecnologia e a produção nacional é extremamente benéfica. Nas ações judiciais, a gente vê importações caríssimas, com o dólar agora lá nas alturas, o setor público gastando também com logística”, afirma.

Moraes diz que o tabu envolvendo a Cannabis no Brasil, que ele considera irracional e distante da discussão científica, tem atrasado o desenvolvimento de estudos mais aprofundados sobre o tema e a própria regulação.

“Há muitos medicamentos feitos à base de opiáceos, de análogos de cocaína, da heroína. Os kits de intubação, por exemplo, têm esses medicamentos. A gente dá ritalina, um análogo da cocaína, para a criança que não fica quieta, sem a menor parcimônia, e fica discutindo óleo de cânabis? É o ó do borogodó.”

Além da Prati-Donaduzzi, que hoje tem três versões de canabidiol autorizados pela Anvisa, recentemente a empresa estadunidense Nunanature também entrou no mercado brasileiro, com duas concentrações diferentes do produto.

As autorizações sanitárias valem por cinco anos e seguem resolução de 2019, que permitiu a produção de produtos com Cannabis no Brasil, mas com insumos importados, já que a proposta do cultivo foi vetada pela agência.

Folha Press

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