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O que está por trás da demora na entrega de vacinas pelo Ministério da Saúde? Entenda

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No momento em que você lê esta reportagem, Salvador está sem aplicar as primeiras doses da vacina contra a covid-19 – as chamadas ‘D1’ – há dois dias. Os imunizantes que chegaram esta semana nem mesmo fizeram avançar muito as faixas etárias: o público foi de 34 anos, mesma idade estacionada na semana passada, para 33. Em meio à má notícia, há um bom sinal – que as vacinas estão sendo aplicadas tão logo chegam por aqui. Neste sábado (31), o processo será retomado e as vacinas serão ofertadas para quem tem 32 anos, mas somente os nascidos até novembro de 88.

Mas o que você diria se soubesse que ao menos 12,4 milhões de vacinas estão guardadas, sem serem enviadas aos estados? Na tarde da última sexta-feira (30), esse era o total de doses que o Ministério da Saúde havia recebido de diferentes fabricantes, porém ainda não tinha dado destino. Na segunda-feira (26), o estoque chegou a 16 milhões de vacinas – dessas, ao menos 11 milhões estavam guardadas desde a semana anterior.

Entre a terça-feira (27) e a quarta-feira (28), o órgão federal encaminhou 10,2 milhões de imunizantes aos estados, depois de passar seis dias sem entregas. Para a Bahia, vieram 613 mil. No entanto, pelo menos 5,8 milhões ainda ficaram com o ministério. Ao longo da semana, o número só acumulou, com a chegada de mais lotes da Pfizer e da Coronavac.

O cálculo de quantas vacinas estão ficando estocadas pode ser conferido em tempo real pela plataforma de monitoramento da página @vacinacovidbr, criada pelo cientista de dados e desenvolvedor Apolinário Passos, com base nas estatísticas federais.

O que estaria por trás dessa demora nas entregas? O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, diz que a burocracia necessária acaba elevando o tempo para a distribuição. Pesquisadores especializados no estudo de campanhas de vacinação no Brasil, contudo, consideram o protocolo de segurança, mas também acreditam que o cenário inclui possibilidades que vão desde erros na logística ao planejamento incompleto.

Para o pesquisador Ramon Saavedra, doutorando em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a campanha de vacinação contra a covid-19 tem diversos aspectos que são vistos com estranheza por especialistas que acompanham o Plano Nacional de Imunização (PNI).

“Apesar de desde janeiro terem começado a divulgar planos de vacinação, a execução desses planos não está acontecendo de acordo com a expertise que o PNI vinha tendo ao longo de mais de quatro décadas, inclusive com controle, eliminação e erradicação de doenças”, diz ele, que trabalha diretamente com vacinação na Bahia há seis anos.

Autoridades em outros estados se posicionaram a respeito da demora. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, disse que o “senso de urgência” do ministério impressionava. “As vacinas têm sido entregues pelos fabricantes nas datas previstas. Só que não estão sendo distribuídas com a celeridade necessária”, afirmou, em seu perfil no Twitter. Também na rede social, o governador de São Paulo, João Doria, disse que a falta de gestão era “vergonhosa”.

Estoque e desperdício
A aplicação da primeira dose já foi suspensa em Salvador ao menos seis vezes apenas em julho. Isso sem contar as datas em que a aplicação da D1 foi exclusiva para grupos menores, devido ao baixo estoque. Foi o caso do dia 12 de julho, quando apenas grávidas e puérperas foram imunizadas na cidade.

Além da demora na entrega, boa parte das doses que chegaram aqui não são necessariamente o que o estado e os municípios mais precisavam naquele momento. Na última remessa, o Ministério da Saúde enviou mais doses D2 do que doses D1 – ou seja, é um cálculo que afeta o avanço dos públicos etários.

Na última quarta, de acordo com o secretário municipal de Saúde, Leo Prates, Salvador recebeu pouco mais de 15 mil imunizantes da Pfizer destinados à primeira dose. Para a segunda dose do mesmo laboratório, o número que veio foi maior do que o dobro – 31.290. Ele calcula que é possível haver também um problema de estocagem.

“Com essa metodologia de enviar doses já carimbadas, é possível ter um problema de elas ficarem paradas também no município. Por isso, Salvador defende a manutenção do intervalo para 12 semanas, mas, se houver doses paradas, que a gente faça uma antecipação de até oito semanas para Oxford e nove semanas para Pfizer”, diz, referindo-se ao intervalo de tempo para a aplicação entre as duas.

Na sexta-feira (30), a aplicação da D2 em Salvador já levava em conta esse público ampliado. A cidade também passou a exibir, no portal Vacinômetro, quantos imunizantes de segunda dose estão parados por falta de pessoas para receber naquele momento.

Diante de todo esse cenário de demora no recebimento de novos lotes, Prates avalia que outro problema pode surgir como consequência – o desperdício de dinheiro público.

“Se, em determinado momento, não se pode antecipar a D2 e  não tem D1 para aplicar, poderemos ter dias com o sistema de vacinação completamente parado. Por isso, a gente apela ao Ministério da Saúde por uma logística mais rápida”, reforça.

#DistribuiMS
Foi graças à plataforma criada pelo cientista de dados Apolinário Passos que a campanha #distribuiMS teve início, no Twitter, desde o último final de semana. Ele criou o ‘Dashboard de disponibilidade de vacinas contra covid-19 no Brasil’ em fevereiro para acompanhar a vinda de doses.

Na época, ele via notícias sobre a chegada de insumos e de vacinas, mas não conhecia nenhuma ferramenta que agregasse todas as informações, a exemplo de quantos imunizantes foram contratados e quantos já chegaram ao país.

Tudo começou com uma planilha feita para ele mesmo. Depois, passou a fazer os gráficos que deram origem ao quadro. “Mas essa questão da distribuição de vacinas eu acompanhava até chegar ao Brasil e ao PNI. Uma vez que elas estavam no PNI, já pensava: ‘pingou lá, eles distribuem’. Só que fui vendo que começou a chegar muita vacina na semana passada e não estava tendo distribuição”, conta.

Assim, ele compilou os dados e percebeu o acumulado que crescia a cada dia. Na semana passada, o PNI recebeu 14,5 milhões de vacinas, o maior número de imunizantes até então. Os envios, com intervalos quase semanais, parecem não dar mais conta nem da demanda por parte dos municípios – que vêm atingindo faixas etárias com populações maiores – nem do volume recebido pelos fabricantes.

“Por mais que o ministério soubesse que ia crescer o volume de doses, parece que não houve uma preparação para aumentar o número de entregas por semana e fazer duas, três vezes ou mais, para ficar sempre abastecido”, explica.

Ele critica a necessidade de ter tido que criar a campanha pela distribuição. “Acho muito absurdo que eu tenha que criar uma hashtag, fazer uma campanha, fazer um site, porque o Ministério da Saúde, no meio da pandemia, não está fazendo saúde. Mas já que tem governadores utilizando, enquanto tiver necessidade, eu vou fazer. Só que eu torço para que não precise mais”, completa.

Ritmo 
Se as vacinas disponíveis hoje não forem distribuídas, é possível que, até o início da próxima semana, o estoque do ministério chegue a 17,7 milhões de doses – porque, até lá, novos carregamentos são previstos. A Pfizer tem feito entregas diárias de pelo menos 1 milhão de doses, nas últimas duas semanas, e deve seguir assim até este domingo (1º).

“Tem vacinas que já estão lá há mais de uma semana. Claro que tem processos, logística, estrutura. Mas o ideal é que seja distribuído o quanto antes. Entendo que não pode ser imediato, mas não faz sentido segurar por dias”, diz Passos.

Para o secretário municipal da Saúde de Salvador, Leo Prates, o ritmo de entrega deveria ser suficiente para que a vacinação não seja paralisada, pensando também na capacidade de aplicação de cada local. Em Salvador, quando considerado o público alvo maior de 18 anos, mais de 630 mil pessoas ainda precisam receber a primeira dose.

Por aqui, a prefeitura já conseguiu aplicar as doses em 40 mil pessoas num único dia. No entanto, essa semana, para a primeira dose, vieram pouco mais de 26 mil da Coronavac e as 15 mil da Pfizer.

“Em 16 dias, eu vacinaria todo mundo que está faltando. Mas eu recebi um dia de vacinação em uma semana. Salvador montou a maior estrutura de vacinação já vista. Mas me sinto um mangalarga marchador de rédeas”, comenta, referindo-se à raça de cavalos que é considerada por cavaleiros e competidores como uma das melhores do mundo.

Experiência
De fato, existe um processo que justifica que as vacinas não sejam imediatamente entregues, uma vez que estão em posse do Ministério da Saúde. Elas precisam passar por um processo de segurança, como explica a enfermeira Selma Cerqueira, professora da Escola de Enfermagem da Ufba, especialista em monitoramento e avaliação de ações de imunização.

“Um quantitativo é retirado e vai para o INCQSs. É preciso saber se a vacina que recebemos foi armazenada na temperatura do produtor, se o que está dentro do frasco é o que estão dizendo. Depois que passa pelo controle de qualidade é que começam a distribuir”, explica a professora, citando o Instituto Nacional de Controle de Qualidade (INCQs).

Segundo ela, mesmo em campanhas como a da gripe, as vacinas não chegam todas de uma vez, porque os municípios também não teriam capacidade de armazenar milhões de doses de imunizantes de uma só vez.

À medida que a população vai sendo imunizada, esse estoque deve ser reabastecido. Mesmo assim, 5% dos lotes devem ficar com o Ministério da Saúde – é a chamada reserva técnica. Para a professora, a vacinação contra a covid-19 passa por dificuldades também porque, ao contrário de outros imunizantes, o Brasil não é autossuficiente na produção delas.

Com mais de um laboratório – hoje, o país recebe quatro vacinas distintas -, a professora calcula que é possível haver um impacto no tempo necessário para o protocolo de segurança. Contudo, ela não sabe dizer qual é o tempo médio de liberação.

“Você tem que conferir, por exemplo, se as vacinas estão entre 2 e 8 graus. No caso da Pfizer, é uma temperatura negativa. Tudo tem que ter mais cuidado ainda e isso demanda tempo”, analisa.

No entanto, na opinião do pesquisador Ramon Saavedra, do ISC, a experiência do PNI deveria garantir que processos assim fossem otimizados. “A gente já conhecia todos esses processos administrativos e alfandegários. Já tinham vacinas que vinham da Índia, da França. Isso não deveria interferir porque já deveria ter sido colocado num cálculo de planejamento”, pondera.

Situações como essa demora nas remessas não costumam acontecer em outras campanhas de imunização. Para Saavedra, isso pode indicar uma ausência de condução uniforme a nível nacional.

“Ainda que, mundialmente, houvesse escassez de vacina, já havia um quantitativo suficiente para o escoamento, para que chegasse aos municípios. É uma questão de operacionalização que parece estar travada apesar de a gente saber que, tecnicamente, a equipe do PNI tem bagagem para fazer isso acontecer”, reforça Saavedra.

O atraso na vacinação não é preocupante apenas pelo cenário atual, mas também pela possibilidade do surgimento de novas variantes resistentes às vacinas existentes.

“Uma vacinação lenta oportuniza o vírus a se replicar, se multiplicar. Nesse momento é que vão surgindo os vírus mutantes. O objetivo de uma campanha é vacinar o maior número de pessoas no menor tempo possível para garantir a imunização coletiva”, completa.

À espera
Até esta sexta-feira (30), a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) ainda não tinha recebido a confirmação de quando novas doses aportam na Bahia. O Vacinômetro estadual já  indicava que mais de 98% dos imunizantes D1 no estado já foram aplicados.

Através da assessoria, a Sesab informou que, assim que as doses chegaram ao aeroporto de Salvador, a equipe de coordenação de imunização do órgão confere a carga e organiza a remessa. Os imunizantes são enviados por via terrestre e pelas aeronaves do do Grupamento Aéreo da Polícia Militar e da Casa Militar do Governador.

Segundo a pasta, a logística dentro da Bahia é feita de modo a garantir que as vacinas chegam em menor tempo possível aos municípios. A Sesab não comentou a estratégia de distribuição do Ministério da Saúde.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que, antes de cada distribuição, elabora um Informe Técnico com as orientações para a vacinação, como o quantitativo para aplicação da dose 1 e 2, o público-alvo e outros critérios estipulados no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO).

Ainda de acordo com a pasta, depois que as vacinas são entregues pelos laboratórios, as doses passam por um controle de qualidade rigoroso, contagem e rotulagem no Centro de Distribuição Logístico, em Guarulhos (SP). “Só então depois dessa etapa, as vacinas são liberadas para distribuição, os planos de voos são definidos e os lotes chegam aos estados em até 48 horas, em uma operação logística complexa e realizada em tempo recorde”, dizem.

O órgão pontuou que as estratégias de imunização são definidas em conjunto com representantes dos estados, municípios e Distrito Federal, após reuniões semanais. “A pasta recomenda que os gestores locais do SUS sigam à risca as orientações pactuadas, para completar o esquema vacinal de todos os grupos, mesmo que os entes federados tenham autonomia para seguir a própria estratégia de vacinação, conforme as demandas regionais”, completam.

O Ministério da Saúde não respondeu se pretende aumentar a frequência de envios aos estados, adotar novos protocolos ou mesmo o que poderia ser feito para mitigar as dificuldades que impediriam o processo de ser mais rápido.

Estados que receberam doses a menos serão compensados
Outro aspecto da campanha de vacinação contra a covid-19 que vinha sendo questionado nas últimas semanas era a distribuição de doses por estado, por parte do Ministério da Saúde. No entanto, esta semana, tanto o órgão quanto o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) divulgaram uma nota que prevê uma compensação gradual aos estados.

De acordo com o comunicado, essa compensação gradual deve recompor aos demais as vacinas enviadas a alguns de modo complementar – ou seja, aqueles que receberam doses do fundo estratégico, os que receberam imunizantes para a população que vive em fronteiras e os atendimentos a ações judiciais.

Da mesma forma, a compensação deve equiparar os estados com maior contingente populacional de grupos prioritários já vacinados. Assim, a expectativa é de que todos os estados concluam o processo de imunização “sem que haja benefícios ou prejuízos a suas respectivas populações”.

O secretário municipal de Saúde de Salvador, Leo Prates, comemorou a decisão. “Eles estabelecem que vão corrigir essa distorção. Salvador já deve estar entre as três piores (capitais que mais receberam vacinas, proporcionalmente). Enquanto isso, somos a mais eficiente”, diz.

Fonte: Correio 24 horas
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